Em sua 8ª. edição, o BlogProg reuniu na manhã deste sábado um time de peso para discutir o fortalecimento da comunicação pública e o financiamento da Mídia Alternativa: Jean Lima, presidente da Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Samira Castro, presidenta Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Geremias dos Santos, presidente da Abraço Brasil e Fernando Mauro, presidente da Associação Brasileira de Comércio Eletrônico (ABCCOM).
Tatiana Carlotti, para o Fórum 21 e Barão de Itararé
A mesa teve mediação da jornalista Luciana Oliveira, de Rondônia, onde a comunicação popular e independente “é majoritariamente indígena, feminina e jovem”, e muito marcante a ocorrência de conflitos agrários e mortes de defensores dos Direitos Humanos. “É uma grande janela que abriram para o Norte”, destacou sobre o BlogProg.
Também mediou a mesa André Fernandes, fundador da Agência de Notícias das Favelas, que existe há 23 anos e conta com mais de 800 colaboradores em seu portal, essa experiência é contada nos livros de sua autoria “Perseguindo Sonho” e “Novos Rumos da Comunicação Comunitária no Brasil”.
EBC: “É mais difícil reconstruir do que construir”
O presidente da EBC, Jean Lima, abordou as imensas dificuldades de se fazer comunicação pública em um país tão desigual socialmente e territorialmente.
Destacando que somente com a Constituição de 88 foi pensando um sistema público de comunicação no país, quando todo o sistema privado já estava em funcionamento, alijando a população da produção de conteúdo, ele lembrou que até hoje as pessoas confundem o que é comunicação privada, pública e estatal.
Lima trouxe um panorama sobre o desmantelamento da EBC, ocorrido entre 2016 e 2022, citando a funesta Lei das estatais de 2016 sob o governo Temer, que foi “um golpe para as empresas estatais”. Sob o pretexto de dar resposta à Lava-Jato, a lei criou uma série de mecanismos que, na prática, tiveram como objetivo “dificultar a entrega e travando o acesso à política pública” e, no caso de muitas delas, como a EBC, “preparar essas empresas para a privatização”.
“A EBC entrou na lista de privatização, e foi todo um processo de redução de custos, fechamentos de estúdios, redução da sede e de 25% do quadro de funcionários, com dois PDVs, além do pior golpe: a unificação dos canais”. Com isso, na rede de comunicação pública ainda hoje permanecem incorporadas várias entidades privadas, contou.
“Muitas vezes é mais difícil reconstruir do que começar do zero”, apontou, contando as ações do atual governo, como a divisão dos canais, a primeira atribuição dada pelo então ministro Paulo Pimenta. Ele também citou a expansão da rede de comunicação pública, “a maior expansão de toda a história”, em parceria com as universidades e institutos federais, somando mais de 60 instituições federais, estaduais e municipais. “Vamos sair de 62 emissoras de tevês para 160, e de 43 rádios para 204”, contou.
A grade de programação também foi mudada. A TV Brasil, sob Bolsonaro, basicamente ofertava programação infantil de manhã, filmes como o de Mazzaropi à tarde e novela bíblica à noite. “Tivemos de fazer uma reconfiguração estética, tentando dialogar com o público que eles conseguiram cativar, com uma elevação significativa (de 11º para 5º) a partir da inserção de um público das classes C, D e E, em sua maioria mulheres (40% delas evangélicas).
Foram resgatados programas icônicos como o “Sem Censura”, priorizando o jornalismo e o esporte, em particular com a cobertura do futebol feminino. Também estão previstos programas de combate a fake news, culinária popular e apoio aos festivais de cinema, música popular e música clássica.
Entre os desafios, Lima priorizou combate às fake news, a comunicação digital e, evidentemente, o orçamento. “Não há comunicação publica sem o fortalecimento do orçamento. Hoje, o que temos de custeio e investimentos representa 20% do do orçamento de 2009 e 2010. Estamos com 1/5 do que tivemos”, frisou.
“Governos autoritários não gostam de jornalismo, gostam de propaganda”
Samira Castro, presidente da Fenaj, a Federação Nacional dos Jornalistas, abordou o financiamento da comunicação pública e comunitária no Brasil. “A gente precisa de dinheiro, dinheiro e dinheiro, mas precisamos de política pública consistente”, apontou.
Lembrando que a Fenaj fez parte, durante a Constituinte, da frente democrática por uma política de comunicação, ela destacou o lobby na época das empresas contra o Capítulo V da Constituição de 1988, que garante a existência no país de um sistema de comunicação tripartite – publico, estatal e privado. E que “nunca foi regulamentando, criando um sistema “completamente desigual, o chamado coronelismo eletrônico. E enfrentamos agora o coronelismo digital”.
Apontando a Luta da FNDC, Castro destacou a importância da pressão sobre o governo de esquerda. “A Faria Lima está toda em Brasília reivindicando. As plataformas estão fazendo lobby. Nós precisamos ocupar os espaços”, afirmou, ao propor uma segunda Confecom, “a partir das demandas das forças sociais de base que somos nós”.
“Não tem por que abdicarmos de uma construção coletiva por receio da direita ocupar. Temos que fazer essa disputa dentro de um espaço chamado pelo governo. Já tivemos uma série de conferências nacional e precisamos cobrar uma nova Confecom”, afirmou.
Ela também destacou a proposta da Fenaj de taxar as grandes plataformas digitais, as big techs, para constituir um fundo público voltado ao financiamento do jornalismo e da comunicação, através de mecanismos que apoiem um jornalismo compromissado “com a defesa dos direitos humanos e o acesso à informação de direito público em todo o país”.
“O jornalismo tem que garantir a transformação social, ser um conjunto de informações organizadas que possam gerar cidadania”. E, na medida em que as plataformas intervêm no domínio econômico da comunicação, “elas precisam ser reguladas e taxadas e isso precisa servir à sociedade brasileira”.
“Financiar a comunicação pública, independente e regionalizada está ligada à política de regulação das plataformas”, salientou, lembrando que o “Estado brasileiro tem que ser o indutor dessa política pública”, afinal, “governos autoritários não gostam de jornalismo, gostam de propaganda”.
Antes da II Confecom, um encontro nacional de comunicadores
Geremias do Santos, presidente da Abraço Brasil, trouxe os números que mostram a realidade sobre as outorgas no Brasil das rádios e tevês. Até hoje existem rádios comunitárias que foram autorizadas pelo governo Dilma e não saíram do papel. Ele também questionou: “Por que o presidente Lula não tem um programa diário de rádio?”
Lembrando que o Amazonas conta com 162 retransmissoras em 62 municípios, ele destacou que a maioria delas é do deputado Silas Câmara (Republicanos), um Roberto Marinho da Amazonia Legal, e não à toa presidente da Comissão de Comunicação.
Santos alertou sobre a Lei 14.812/24, que concentrou ainda mais os meios de comunicação, permitindo que um grupo detentor de seis veículos, por exemplo, pudesse ter vinte. “Foi uma tramitação extraordinária”, em tempo recorde citou, ao criticar a atuação dos parlamentares de esquerda e dos assessores do governo que “comeram mosca” e “não dialogaram com a sociedade civil”.
“Como você aumenta o número de rádios e tevês para esse púbico, se ainda não regulamentou a comunicação social”? questionou.
Santos fez duras críticas à migração da frequência AM para a FM, durante a pandemia, também sem discussão com a sociedade brasileira, que foi muito prejudicial para as populações na Amazônia e no Nordeste e tantas outras comunidades país afora que, de uma hora para outra, ficaram sem comunicação.
Para a EBC, ele defendeu que ocorra um concurso público urgente, além de um canal da TV Brasil e da Rádio Nacional em toda as capitais brasileiras. “Precisamos mapear o Brasil interior e as grandes regiões com ondas curtas e médias”. Ao lembrar que foi “o dinheiro público que criou 50 milhões de telespectadores para a TV comercial”, Santos exigiu a mesma política para as rádios públicas.
“Nós queremos parceria. Fazer 24 horas de conteúdo não é fácil. Queremos colocar essa programação nas rádios comunitárias e precisamos aproveitar essa programação para ter as rádios comunitárias no campo público”. Uma das formas de financiamento é contar com 10% da verba pública destinada aos veículos de comunicação para financiar a EBC e a mídia comunitária do Brasil.
Em sua avaliação, urge fazermos um “movimento de comunicação no Brasil”, o que pode ser iniciado com a consolidação de “um dia nacional dos comunicadores”. A pressão, em sua avaliação, tem de ser presencial, na porta do Congresso e dos lugares onde a decisão é tomada. “Antes da II Confecom, propomos um encontro nacional de comunicadores”, concluiu.
“Como se financia o que ninguém ver?”
Último palestrante da mesa, Fernando Mauro, presidente da ABCCOM, associação das TVs comunitárias, contou como surgiu a televisão pública no Brasil, e a confusão, já de largada, promovida pelo Barão da Mídia Assis Chateubriand, dono da mídia comercial nos anos 1960, que fomentou a ideia de que a televisão pública é a aquela que tem publicidade.
“Um absurdo”, a televisão pública não pode ser definida em relação a fazer ou não publicidade, mas pelo seu conteúdo. “O que está passando? Tem a sociedade civil participando?”, este é o critério, afirmou.
Nos anos 1990, com a Lei de TV a cabo, houve um aumento do número das tevês públicas no país. “A tevê comunitária é para organizações não governamentais. Se uma delas quer fazer um programa, ela tem direito, não importa o viés”, explicou, citando o exemplo do que seria uma tevê comunitária: uma televisão ecumênica, com programas de vários matizes religiosos (católicos, evangélicos, espíritas, umbanda etc.).
A realidade, porém, é a da concentração. Se essa associação tem várias rádios católicas, ela não é comunitária. “Uma das contribuições da comunicação comunitária é ela ser totalmente aberta para a sociedade fazer os seus conteúdos”.
Com o streaming, a concentração se soma à invisibilidade dos canais comunitários. Hoje, explica Mauro, as operadoras, como a Claro, coloca as tevês públicas e comunitárias abaixo do canal 500, que é o canal que o assinante entra ao ligar o aparelho. “Quando esse cara vai do 500 para o 499 até chegar no 2, ou no 9 que é a tevê comunitária? Nós fomos colocados no gueto da TV a cabo”, lamentou.
“Os avanços do financiamento passam pela visibilidade. Como se financia o que ninguém ver?”, questionou ao apontar as dificuldades do streaming, que vem tirando as tevês públicas e comunitárias de sua programação. “Hoje a TV Brasil para estar no streaming da Claro que tem que pagar uma taxa”.
Sobre o #8BogProg
Jornalistas, ativistas digitais, comunicadores populares, pesquisadores e estudantes se reúnem nos dias 5 e 6 de julho, no auditório do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, para a 8ª edição do Encontro Nacional de Comunicadores e Ativistas Digitais.
A programação traz especialistas para debaterem temas como o fortalecimento da comunicação pública, das mídias alternativas e comunitárias, a relação da juventude com a comunicação, os desafios colocados pela inteligência artificial e a regulação das plataformas.
O evento é organizado pelo Centro de Estudos da Mídia Alternativa Barão de Itararé com o patrocínio do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), através do Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br).
Todos os debates têm transmissão ao vivo pelo canal do Barão de Itararé no YouTube e por canais parceiros. Inscreva-se e assista na íntegra!
Publicado originalmente en Barão de Itararé